Sunday, November 30, 2008

Diálogos de Platão

Correspondências de uma época


"São 12h30. Acabamos de desligar, e como não terei o privilégio do sono tranquilo, preferi trocar confidências com minha alma. Se elas chegarão a você, eu realmente nãos ei. Me sinto como uma montanha russa, ontem, a intensidade da primeira quesda, agora, no meio de um looping circular, daqueles que te dão vertigem e te deixam sem entender direito as referências. É um contraste que não consigo entender. Me resta a opção de te ouvir, de acreditar em tuas palavras, e desejar muito, que elas tenham sido fruto de uma percepção momentânea. Mas de nada adiantará divagar por tuas possíveis razões. Agora prefiro falar de mim.


De um tempo para cá, minhas energias inadvertida e expontâneamente se canalizaram para uma menina cativante. Pouco a pouco, sem que pudesse perceber (Clarisse gostava muito disso) a vontade de compartilhar momentos, dividir opiniões, comungar do mesmo espaço e tempo foi aumentando, aumentando, num crescente sem fim. A cada novo dia o sentimento ia se criando, como se tivesse vida própria. Por inúmeras vezes, eu era surpreendido por momentos que me remetiam a você. Situações novas e inusitadas, situações corriqueiras e cotidianas acabavam me deixando latente um sentimento que pela frequência, não deixava meu lado consciente esquecer que ele estava ali. Me lembro de estar em Ubatuba, deitado olhando as estrelas com o pensamento perdido em você; me lembro de estar no Rio, de frente para a vista da Baia de Guanabara com o pensamento perdido em você; me lembro como se fosse agora de estar sentado no divã da minha sala uns cem número de vezes olhando as luzes da cidade com o pensamento completamente em você...


E nossa relação foi se criando de rápidos encontros, olhares cheios de curiosidade , de longas horas de conversa, e tudo isso só acabava realimentando meu inconsciente e enchendo meu coração de bons sentimentos em relação a ti. No início eu sentia uma grande euforia. Uma euforia típica dos amantes de verão, cheios de contentamento e desejo de viver um sonho, nem que fosse por uma noite. Conforme fui te conhecendo, minha forma de ver e compreender esta euforia foi mudando. Me lembro muito bem da primeira vez que disse que te amava. Foi consciente. À esta altura dos acontecimentos (me refiro aos acontecimentos não em relação ao tempo ou as experiências, mas sim a capacidade de distinguir e compreender meus sentimentos) já tinha certeza suficiente de que te queria não para os bons momentos, pois eles claramente estavam ali à nossa disposição, eu sabia disso. Mas a convicção profunda de que eu realmente queria muito poder estar ao teu lado. E assim como este bom sentimento, outros começaram a brotar de uma forma clara e cristalina. Alguns deles, me lembro de ontem ter dito a ti: o prazer de compartilhar suas realizações, a vontade de poder te proteger e de alguma forma ajudar a construir o caminho da tua felicidade, de estar ao teu lado, de fazer parte da tua história. Tudo isso veio passo a passo, de uma forma tão natural que nunca me dei o direito de questionar. Desde então, tenho estado com a sensibilidade muito aflorada (e como também dissemos ontem, isto pode proporcionar picos maravilhosos, mas também vales equivalentes) e isto, de certa forma, melhora minha relação com o mundo. Neste momento acabo aproveitando para me conhecer melhor, entender meus anseios e desejos, volúpias e medos, enfim, me sinto mais apto a olhar para dentro e me compreender. Isto passa por entender minha razão (pode parecer redundância, mas não é) e entender meus sentimentos. No final do dia, tudo colabora para que se reforcem minhas crenças. Exatamente por passar por um processo de questionamento interno catalizado por uma sensibilidade fortemente acentuada é que depois de vasculhar todos os cômodos, o que restam são as grandes convicções. O que eu gosto e o que eu não gosto, o que eu quero e o que eu não quero, o que eu posso e o que eu não posso, o que depende de mim e o que depende dos outros, os sucessos gratuitos e os fracassos cultivados. Tudo é claro. Nunca tive dificuldade de expor minha alma tal qual ela é para ti. Aliás, nunca tive tanta facilidade em encarar meus fantasmas para alguém, pelo motivo de acreditar que o único amor verdadeiro é o incondicional, e entender que só ele pode ser cultivado em um ambiente de sinceridade e transparência. No meio de minhas convicções, e com a tua ultra sensibilidade ajudando não seria difícil entender quem eu sou. E no meio de toda esta loucura eu acabei sentindo no teu olhar uma reciprocidade que enchia meu coração. Quanto mais eu me mostrava, você se encantava e vice-versa. E esta equivalência de sensações é o que tem transformado nossos momentos em doces sonhos. Mas uma sensação nova com o passar do tempo foi surgindo em mim. Parei...fui pegar um livro... lembrava de ter lido algo que me ajudará muito a explicar. Encontrei:

"...Tanto é verdade que os homens não amam senão o que é bom. Discordas?
- Eu não. Por Zeus! -respondi.
- Portanto - prosseguiu ela, - podemos dizer assim simplesmente que os homens amam o que é bom?
- Sim - respondi.
- Sim? Não se deve acrescentar - disse ela - que eles desejam seja seu o que é bom?
- Deve-se.
- Acaso não apenas que o seja, mas que o seja sempre?
- Isso também se deve acrescentar.
- Logo, o amor, em síntese - concluiu - é o desejo da posse perpétua do que é bom.
- Dizes o que há de mais verdadeiro - disse eu.
- Se amar é sempre o que acabamos de ver - volveu ela - daríamos o nome de afã e esforço intensos de quem procura atingi-lo de certa maneira e por determinados atos; qual essa maneira? Quais esses atos? Essa operação em que consiste? Sabes dizer?
- Se soubesse, Diotima - respondi, - eu não seria um admirador de teu saber, nem frequentaria tuas aulas para aprender precisamente isso.
- Bem, eu vou dizer. Consiste numa procriação no belo; não só segundo o corpo; também segundo a alma.
- O que estás dizendo requer um poder divinatório - atalhei; - não o compreendo.
- Bem, falarei mais claro. Há em todos os homens, Sócrates, uma prenhez, não só segundo o corpo, como também segundo a alma. Quando chegamos a determinada idade, nossa natureza anseia por dar a luz; mas esse parto lhe é impossível no domínio da fealdade; só no da beleza. Com efeito, a união do homem e da mulher é uma procriação; há, na gestação e no parto, um fato de ordem divina, atributo imortal inerente a um ser vivo que é mortal. Sua produção é impraticável num meio discordante e a fealdade destoa de tudo que é divino, enquanto a beleza se harmoniza. Na procriação, a Beleza faz os papés de Parca e de Ilitia. Por essa razão, sempre se aproxima do que é belo, o gestante sente um bem-estar, um derretimento de gozo, e tem um parto feliz; mas sempre que se acerca do que é feio, encolhe-se, sombrio e aflito, esquiva-se, recusa-se e não pare, antes, retendo o seu fruto, entra a padecer. Daí provém ao ser prenhe e já pejado tamanha emoção diante do belo, porque a posse deste o liberta de suas fortes dores. Porquanto, Sócrates, não se trata do desejo do belo, como pensas tu.
- Então, do quê?
- De gerar e de parir na beleza.
- Vá lá que seja - disse eu.
- Não cabe a mínima dúvida - insistiu ela. E por que de gerar? Porque a geração é, para um mortal, a perpétua renovação, a imortalidade. É conclusão necessária dos pontos admitidos que o desejo da imortalidade acompanha o do que é bom, se o Amor é o desejo de possuir para sempre o que é bom; é conclusão certamente necessária desse raciocíonio ser Amor desejo também da imortalidade."

... nossa, daria para explicar tanta coisa com isso, mais o que eu queria tentar elucidar é que a minha forma mais sincera de dizer que te amo compartilha do conceito contido no diálogo entre Sócrates e Diotima. É um sentimento que desejo ter não só no presente, mais perpetuado dentro de mim, e que consciente ou inconscientemente cultivo a cada dia. Sejam pelas experiências ao meu redor ou pelas que brotam dentro de mim. Queria que você tivesse isso muito claro. Acredite nas minhas fraquezas. Acredite nos meus medos. Acredite nos meus defeitos. Nunca duvide da sinceridade e da intensidade do meu sentimento por ti.

Já é tarde. Seria capaz de escrever horas...

F.

Livro:
http://books.google.com/books?id=fwyQi0vzHSsC&pg=PA78&lpg=PA78&dq=Tanto+%C3%A9+verdade+que+os+homens+n%C3%A3o+amam+sen%C3%A3o+o+que+%C3%A9+bom.+Discordas&source=web&ots=K7_1w5qI5g&sig=tR_Yf1WHwlMQp0MKvpx1o6N-lLM&hl=pt-BR&sa=X&oi=book_result&resnum=1&ct=result

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